Aportes e crítica textual

 RESUMO

A crítica textual, como parte da exegese científica, contribui para a compreensão da composição do texto hebraico, sua tradição textual, em vista de chegar o mais próximo do original. O objetivo deste artigo é realizar uma investigação crítica de Nm 13–14 e Nm 16, com base nas variantes do texto e propostas significativas para a sua tradução e compreensão. O Pentateuco Samaritano a Septuaginta, como também os manuscritos de Qumram são documentos mais antigos que o texto massorético, dentre outros citados no aparato crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia. Resulta desse estudo que algumas inserções samaritanas (seguidas de perto pela Siro-Héxapla) têm incidências estruturais e teológicas, que denotam a fluidez do texto de Nm 13–14 e o desenvolvimento das tradições textuais em um período que se estende a partir do séc. III a.C. A Septuaginta em seus complementos em Números, segue uma tradição textual, a mesma usada em Qumram. Observa-se que a Septuaginta tende a tornar o texto massorético mais coerente e eliminar algumas dificuldades.

Introdução

    O presente artigo analisa algumas variantes do texto hebraico do livro de Números mediante a crítica textual. Limitamos nossa análise a alguns textos no bloco narrativo da caminhada do povo no deserto após a estadia no Sinai, especificamente Nm 13–14 e Nm 16. Esse tipo de estudo é árduo, senão também árido. O leitor comum provavelmente questionará a utilidade de um estudo crítico, dado que bem poucos conhecem o texto hebraico. Além disso, havendo milhares de traduções da Bíblia para as línguas modernas, que impacto teria esse estudo, se tão poucos têm conhecimento da exegese científica e de seus instrumentos? Pois bem: em geral, as traduções modernas são feitas a partir do texto hebraico da última edição disponível da Bíblia Hebraica Stuttgartensia (BHS). No entanto, basta colocar em paralelo um texto qualquer de algumas Bíblias em português para perceber diferenças até discrepantes entre as traduções. A preocupação dos tradutores é a fidelidade ao texto “original” e também ao “leitor”. No âmbito católico, o magistério eclesiástico pede “que se façam versões corretas e adequadas para as diversas línguas a partir dos textos originais”2 , pois a linguagem é dinâmica e nos comunicamos com uma língua viva. Sendo assim, quem traduz também interpreta continuamente, de uma forma ou de outra, e é comum que não se considerem os problemas do texto hebraico oriundos da tradição textual. Daí a importância fundamental da crítica textual para a compreensão do texto a ser traduzido. 

       A tradição manuscrita do Antigo Testamento é complexa: acolhe muitos textos e cópias de livros, e é compreensível que apresente erros aqui e acolá que não podem ser ignorados. A crítica textual estuda o processo de transmissão desses manuscritos ao longo dos séculos, buscando determinar qual o texto mais antigo, e, por assim dizer, mais próximo do original. Trebolle Barrera afirma que as “variantes dos manuscritos hebraicos, das diferentes versões (Pentateuco Samaritano, Septuaginta, Vulgata) e citações bíblicas subministram dados que permitem emitir um juízo sobre o valor crítico de uma ou outra forma de texto”3 . Assim, a crítica permite corrigir o texto hebraico recebido e sua compreensão. Porém, alguns críticos, como E. Tov4 , afirmam haver diversasformas originais de um texto bíblico, pelas lições divergentes em alguns textos paralelos como, por exemplo, Is 2,2-4 com Mq 4,1-3. Nesse caso, conforme a análise de Paul D. Wegner , as diferenças podem indicar duas fontes originais ou uma fonte intencionalmente ou involuntariamente modificada do mesmo texto. É apenas um exemplo de como a Bíblia Hebraica na sua forma final teve uma composição complexa, feita com manuscritos dos mais variados. 

       O livro de Números – por causa da importância da Torah para o judaísmo – foi um texto bem preservado, em geral6 . Nossa análise de algumas variantes não atenua o valor do Texto Massorético (TM), mas o reforça. As incongruências gramaticais e mesmo erros dos copistas precisam ser analisados com o auxílio da documentação existente nos primeiros estágios da transmissão do texto, antes do primeiro século da era cristã. São eles o Pentateuco Samaritano (PS), os manuscritos do Mar Morto, e a versão da Septuaginta (LXX)7 . Sendo assim, o presente artigo objetiva a crítica textual de Nm 13–14 e Nm 168 e é organizado em quatro partes: (a) harmonizações de Nm 13,1.33; 14,40.45 com Dt 1 nas tradições samaritana, grega e siríaca; (b) complementos exclusivos da Septuaginta (LXX); (c) Nm 13 nos manuscritos de Qumram; (d) crítica textual em Nm 13-14 e Nm 16.

1. As harmonizações de Nm 13–14 com Dt 1 nas tradições samaritana, grega e siríaca: aspectos literários do texto protomassorético 

    Uma tradição textual hebraica bem consolidada no Pentateuco Samaritano, na Septuaginta e na tradição siríaca (especialmente a Siro-Héxapla, versão estruturada a partir da quinta coluna da Héxapla de Orígenes) apresenta várias inserções no texto de Nm 13–14, buscando harmonizar o relato com seu paralelo em Dt 1, um recurso comum do Pentateuco Samaritano9 . 

1.1.Textos de Deuteronômio inseridos em Nm 13–14 

   O primeiro caso acontece antes da abertura de Nm 13 no Texto Massorético. Neste, a exploração de Canaã é iniciada em Nm 13,1 por um conciso texto que sucede a fórmula de viagem de 12,16. Por sua vez, a versão do Pentateuco Samaritano apresenta após Nm 12,16 do Texto Massorético a inserção de Dt 1,20-22 com pequenas adaptações textuais, formando uma grande nota redacional que estrutura uma nova introdução do relato. Códices cursivos da LXX e a Siro-Héxapla (essa, de caráter secundário) seguem a mesma recensão de base do Pentateuco Samaritano. Essa versão é mostrada no quadro a seguir, com o texto inserido destacado em itálico aqui e nos quadros seguintes.


       Novamente, no final de Nm 13, a tradição samaritana apresenta uma grande interpolação do texto do Deuteronômio. O Texto Massorético terminara a narração do retorno dos exploradores e dos reportes negativos e positivos sobre a terra com o reporte negativo feito por dez enviados. O Pentateuco Samaritano acrescenta com pequenas adaptações literárias o texto de Dt 1,27-33, que também aparece na versão Siro-Héxapla, mas após Nm 14,2, como segue:

1.2.Implicações das harmonizações para o estudo do texto protomassorético 

       No estudo da história da transmissão do texto, o testemunho conjunto com a LXX e a Siro-Héxapla contra o Texto Massorético reforçam a existência de um ou mais textos hebraicos protomassoréticos, o que é em partes atestado por Qumran14 , como desenvolveremos adiante. A versão que traz as harmonizações do texto de Números e Deuteronômio acima citadas atesta uma fluidez redacional do texto hebraico no momento de sua composição15. Tais harmonizações deviam ter sido comumente utilizadas entre a metade do séc. III a.C. e na primeira metade do séc. I a.C., “buscando eliminar tensões e contradições no texto”16 . Contudo, não raro, acabavam trazendo mais dificuldades para a narrativa que facilidades, como no caso estudado: Anderson e Gilles indicam que as inserções após Nm 13,33 e Nm 14,40 não resolvem os problemas de lógica com Deuteronômio, já que estruturam uma desajeitada duplicação com o material de Nm 14, o que requer do editor ajustar o texto refazendo a inserção, de forma que Moisés repita as palavras que Deus acabou de falar17 . Apesar de facilmente reconhecíveis, essas interpolações de Deuteronômio foram pouco exploradas em suas incidências estruturais e teológicas na narrativa e Números 18. Cabe, então uma análise das  mudanças de enfoque e conteúdo. Os textos inseridos de Deuteronômio podem ser assim sintetizados: 

Inserção 1 (Dt 1,20-22): 
– O povo insiste em subir para possuir a terra, que é dom de Deus. 
– A condição é não temer e não se assustar. 
– Pedem que enviem homens que cumpram o mandato divino e ensinem como subir. 

Inserção 2 (Dt 1,27-33): 
– O povo murmurou e temeu os amalecitas, assustados com sua força militar. 
– Memória do mandato divino de não temer e não se assustar e de que Deus subiria para lutar com o povo. 
– Condenação por não crer que Deus seria o guia. 

Inserção 3 (Dt 1,42) 
– Ordem divina: não subir e não lutar para não ser destruído. 
– Alerta: Deus não está no meio dos israelitas. 

Inserção 4 (Dt 1-45) 
– Os amalecitas e os cananeus desceram para encontrá-los, persegui-los como abelhas e castigá-los. 
– Retorna-se ao acampamento

    O material deuteronomista é inserido no início e no fim do relato na tradição samaritana e siríaca (inserções 1 e 3), emoldurando a narrativa. Isso altera a introdução da primeira unidade textual, reforçando a mediação mosaica e dando valor à iniciativa humana de tomar a terra que estava diante dos filhos de Israel. Em sentido narrativo, há uma mudança significativa na causalidade do enredo: a ação de Deus de enviar os exploradores torna-se uma resposta à demanda do povo feita para Moisés. Essa adição é seguida por versões gregas, como terra. Após esse acréscimo do Deuteronômio, o texto segue com a reprovação de Moisés à conduta dos israelitas (retornando a Nm 1,41 do Texto Massorético), reiterando a fala divina. O texto samaritano retoma a mediação mosaica, mas reforçando também a iniciativa divina e a necessidade de escutar a voz de Deus, típica do tom profético deuteronomista. A recensão samaritana apropriou-se de parte da conclusão do relato em Dt 1,44 (inserção 4) e adaptou textualmente para intensificar a ideia do castigo (“para encontrá-los. E os perseguiram conforme as abelhas fazem”). O texto hebraico de base para o Pentateuco Samaritano e a LXX provavelmente abrem mão da conclusão de caráter fortemente deuteronomista de Dt 1,45, elaborada aos moldes da culpa e castigo, retratando a tentativa do povo de pedir clemência a Yhwh e a negativa divina, castigando-os a permanecer em Cades. Provavelmente, isso acontece porque o longo e duplo discurso divino presente em Nm 14,10-38 explica suficientemente a estadia consequente em Cades e no deserto. Sendo assim, um final lacônico encerra a perícope, oferecendo apenas uma pequena notação de retorno ao acampamento, presente também na LXX, que apresenta kai. avpestra,fhsan eivj th.n parembolh,n20 (“E voltaram ao acampamento”). 

    O reforço estrutural de Deuteronômio enxertado em 13,1 e 14,41 é feito, portanto, com base na teologia de culpa-castigo, reforçando que o fracasso na conquista de Canaã deve ser atribuído aos israelitas. Isso configura uma versão de Números – rejeitada pelo Texto Massorético – mais influenciada por uma tradição deuteronomista que valoriza dois aspectos: (a) a necessidade de que a terra seja tomada como promessa de Deus, por isso a exigência de que seja feita como resposta à ação de Deus, mesmo sendo iniciativa humana; (b) o papel privilegiado de Moisés como mediador da vontade de Deus para o povo21 . 

    Na parte central do relato, a longa interpolação de Deuteronômio no texto samaritano e na Siro-Héxapla (inserção 2) dá o sentido teológico da condenação e corrige o pedido da primeira inserção, mostrando que o guia da tomada da terra era Deus. Em última instância, a lembrança da necessidade da direção divina contrasta com a escolha de líderes que, em primeiro lugar, devem ser líderes (13,1), mas depois, assumem o papel da divindade (14,4). Ao mesmo tempo, também realçam o papel de Moisés como intercessor, relembrando os . O Pentateuco Samaritano reforça essa nova dimensão narrativa, já que uma notação massorética (os qiṣṣim19) fecha o parágrafo em PS Nm 12,16, caracterizando em sentido narrativo uma introdução temática com características bastante diferentes do TM. Na última seção (14,39-45) uma fala de Deus chama a atenção do povo para sua ausência e para o consequente fracasso da tentativa de tomar posse da feitos do Êxodo e dando unidade à seção, resgatando a exortação a não ter medo, que será usada na defesa do projeto de conquista feito por Caleb (14,9). O texto também é marcado com um qiṣṣim, para demarcar sua unidade textual, e uma qiṣṣah divide a resposta de Moisés da murmuração dos filhos de Israel22 . Em uma visão global do texto do Pentateuco Samaritano, a necessidade da obediência é paradigmaticamente retomada na inserção 3, que se conecta com a inserção 1 ao reforçar negativamente a ação de subir e com a inserção 2 ao mostrar que Deus não está à frente do povo para dirigi-los. Ao final, ainda a serviço da unidade do texto samaritano encontrada em Nm 13–14, o povo é destruído pelos amalecitas que descem para encontrá-los e persegui-los (conectando com as inserções 2 e 3), o que aumenta a dramaticidade do relato, uma vez que faltava um chefe para guiar o povo em marcha militar. Concluindo o relato, devem recomeçar o caminho, voltando ao acampamento (14,45), já que na inserção 1 saem do acampamento e devem subir a montanha (13,1). 

                                                                            

2. Os complementos exclusivos da Septuaginta em Nm 14,10c.23b.31d 

    A tradição da LXX é mais suave com relação às interpolações do Pentateuco Samaritano, emoldurando o relato de maneira semelhante, mas não acrescentando muito material textual no centro do relato. Além do mais, apresenta traços próprios em versículos de Nm 14. O texto do livro de Números na LXX segue a mesma tradição textual palestina de base usada por 4QNumb , o que determina que muitas das variantes textuais de Qumran e LXX sejam equivalentes. Ao mesmo tempo, em seus complementos exclusivos, a LXX mostra uma tentativa de elucidar o texto, seguindo uma tendência de torná-lo mais coerente ao eliminar as dificuldades do texto protomassorético utilizado23 . 

      Em Nm 14,10c (d[eAm lh,aoB. ha 'r>nI hw"hy> dAbk.W, “e a glória de Yhwh apareceu na tenda do encontro”), a LXX traz e vn gefe,h evpi. th/j schnh/j tou/ marturi,ou (“em uma nuvem sobre a tenda do testemunho”), harmonizando com outras 

                                                                            

   Duas pequenas cópias de Números foram encontradas em Qumran, ambas na gruta IV. A primeira delas é conhecida como 4QLva–Nma (4Q23), apresentando pequenos restos de Levítico e Números. Em relação ao objeto desta pesquisa, o frag. 62 de 4QNma (4Q23) traz somente o texto de Nm 13,21, que aparece bem preservado e sem variantes textuais em relação ao Texto Massorético, ainda que as duas últimas consoantes tenham que ser hipoteticamente reconstruídas pelos estudiosos24 . A segunda é 4QNmb (4Q27), de maior porte. O manuscrito deve ser datado do período dos hasmoneus, com um texto bastante desenvolvido: afasta-se do Texto Massorético, seguindo em grandes partes as extensões preservadas no Pentateuco Samaritano25, mas é ainda mais próximo da Septuaginta, geralmente ampliando o Texto Massorético, inserindo glosas, repetições e adições. Por exemplo, insere Dt 3,21 depois de Nm 27,23 e Dt 3,23-34 depois de Nm 20,1326 . Originalmente, 4QNmb devia ser uma cópia completa do livro de Números, feita com 48 colunas, das quais só restaram 2727. Dos capítulos entre Nm 11–36 preservados, infelizmente, não chegou até nós a coluna do texto do cap. 14. Quanto a Nm 13–14, registra na coluna II, fragmentos 3 (segunda coluna do fragmento) e 5, o conteúdo de Nm 13,7-24, mas não completo: temos preservadas somente as partes abrangendo o texto de 13,5-7; 10-13; 15-2428 . Em relação à crítica textual, Ulrich apresenta uma lista das principais variantes de 4QNumb comparada ao Texto Massorético: duas diferenças verbais (13,20), uma pronominal (13,20), uma nominal (13,22) e uma construção especial (13,22)29. Contudo, o texto apresenta variantes menores entre 13,15- 19 que serão trabalhadas no item seguinte. Há também exemplos de harmonizações de Deuteronômio e Números em textos de Qumran que ilustram bem o trabalho escribal mais livre em um período anterior aos esforços de canonização da Torá. Encontramos alguns fragmentos de Números em uma versão retrabalhada do Pentateuco encontrada na quarta cova (4QRP)30. No frag. 4 de 4Q366, em um contexto legislativo, os textos referentes à festa de Sucot presentes em Nm 29,32–30,1 e Dt 16,13-14 são combinados. Um espaço em branco deixado pelo copista (vacat) ao final de Números, colocando o texto de Deuteronômio em uma nova linha, indica que o escriba reconhecia ali uma intervenção escribal que não estava presente no texto recebido31 . 

4. Variantes textuais de Nm 13-14 e Nm 16 4.1.     

                                                                          



                                                                                   

       É importante lembrar que as promessas de Gn 3,8.17; 13,5; 33,2; 34,11 tratam dos israelitas entrando indistintamente na terra de heteus e heveus. Em Js 11,3, os heteus são lembrados na lista dos povos das montanhas e os heveus são designados como os que viviam aos pés do Hermon (contudo, ambos são tidos como “povos das montanhas” em Js 12,8). Provavelmente, em Nm 13,29b, temos um texto corrompido, que originalmente poderia ter a típica lista de seis nações de Canaã (Ex 23,23; 33,2; 34,11; Js 9,1)40. Em Ex 13,5 e Js 11,3 somente cinco nações são elencadas, entretanto, nas duas citações, tanto heteus como heveus aparecem no texto. Assim, não há razão temática ou documental para corrigir o texto massorético.


                                                                                     

                                                                                       

                                                                                        
                                                                                  
Conclusão 

    A análise crítico-textual com base em versões antigas revela a riqueza da tradição textual e sua complexidade. É certo que a crítica textual aponte para um texto ou textos diferentes, que eram aceitos com autoridade, como originais, na época mais antiga. Sendo assim, o presente artigo apontou as discordâncias entre documentos antigos, além das variantes que podem ser acolhidas. 

      O estudo comparativo do texto hebraico com o Pentateuco Samaritano apresentou várias inserções no texto de Nm 13–14, buscando harmonizar o relato com Dt 1, seguido em partes pela Septuaginta e a Siro-Héxapla. Elucidamos a estrutura narrativa que se formou no texto protomassorético. Por sua vez, a Septuaginta, com seus complementos exclusivos, mostra uma tentativa de elucidar o texto, seguindo uma tendência de torná-lo mais coerente ao eliminar as dificuldades do Texto Massorético. Algumas propostas de mudanças enfraquecem o texto hebraico na sua ênfase na revolta contra Moisés. Porém, em alguns detalhes, como em Nm 13,30, a sugestão do Pentateuco Samaritano corrobora a revolta contra Moisés. 

      Sendo o livro dos Números um texto bastante conservado, há poucos problemas de relevância que venham a prejudicar a unidade do texto. Mesmo assim, não se pode descurar da crítica textual para perceber as interpretações nas variantes que se apresentam nos vários documentos. Nesse sentido, fez-se necessária a consulta aos comentários e estudos críticos do livro dos Números na busca por seu texto original. Enfim, o estudo crítico mostrou que o Texto Hebraico é bem conservado e tem sido objeto de estudos cuidadosos de autores atuais. Numeros, de fato, era conhecido, como atesta sua presença dentre os documentos de Qumran, especialmente 4QNmb (4Q27), de maior porte. Esse manuscrito deve ser datado do período dos hasmoneus, com um texto bastante desenvolvido, afastando-se Texto Massorético, seguindo em grandes partes as extensões preservadas no Pentateuco Samaritano, mas é ainda mais próximo da Septuaginta. Estudos de crítica textual como o apresentado por este artigo, que considerem as relações e genealogias de textos antigos considerando o Pentateuco Samaritano e os Manuscritos do Mar Morto são fundamentais na exegese moderna. Esse tipo de pesquisa aponta para a pluralidade do texto hebraico antes da consolidação do cânon judaico e cristão, tanto em sentido literário como teológico.


Pentateuco Samaritano:
JACOBUS, H. R., “Strangers to the ‘Biblical Scrolls’”, p. 231. Anderson e Giles (The Samaritan Pentateuch, p. 50) lembram que o texto não se limita a puras extensões com relação ao Pentateuco Samaritano, reforçando um processo redacional mais complexo, contando também com redução de material em certas passagens. Crawford (The text of the Pentateuch, p. 192) levanta dez ocorrências em que 4Qnumb concorda com o Pentateuco Samaritano, diferenciandose do Texto Massorético. Isso leva o pesquisador à conclusão que o manuscrito de Qumran faz parte do grupo pré-Pentateuco Samaritano, de forma que seja possível que as inserções próprias da recensão samaritana pudessem estar presentes no manuscrito original do Mar Morto no caso de Nm 13,33; 14,40 e 14,45, uma vez que chegou a nós somente sua versão fragmentada. Ainda assim, o pesquisador nota que há uma variante que estende o texto no formato das apresentadas pelo Pentateuco Samaritano, o que ajuda a caracterizar o escriba não como simples copista, mas como intérprete de tradições. A variante busca uma harmonização da história da herança das filhas de Salfaad, reconfigurando Nm 36,1-12 para adequá-la ao narrado em Nm 27,1-11

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